Pós-pandemia exigirá inovação e planejamento do Terceiro Setor

Pós-pandemia exigirá inovação e planejamento do Terceiro Setor

23/11/2020 09h50

Fonte: Observatório do Terceiro Setor

Em março, quando o Brasil entrou oficialmente em quarentena devido à pandemia de Covid-19, o Terceiro Setor deu início a uma atuação de caráter emergencial, com alta demanda por serviços na área da saúde.

As Organizações da Sociedade Civil (OSCs) também foram fundamentais na arrecadação de doações e na distribuição de itens básicos, como alimentos e produtos de higiene.

“O governo demorou muito para agir. Estaríamos em um cenário muito pior sem o Terceiro Setor, que rapidamente lançou campanhas e fundos emergenciais. Foram inúmeras ações da Sociedade Civil. E ainda houve uma grande movimentação da filantropia para apoiar esse movimento”, comenta Paula Fabiani, diretora-presidente do IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social.

Segundo a pesquisa ‘Impacto da Covid-19 nas OSCs Brasileiras: da Resposta Imediata à Resiliência‘, realizada pelas consultorias Mobiliza e ReosPartners, as organizações foram responsáveis por realizar um grande movimento para atender e apoiar diretamente as populações afetadas pela Covid-19:

50% estão distribuindo alimentos e/ou produtos de higiene para públicos que já eram atendidos;
44% se adaptaram ao modo online;
37% estão desenvolvendo ações de prevenção e conscientização sobre o coronavírus.
Apesar de a pandemia ainda não ter acabado, o retorno forçado a uma normalidade inexistente e a urgência exemplificada em pesquisas motivaram o Terceiro Setor a refletir sobre o que esperar nos próximos meses.

As doações, por exemplo, atingiram patamares históricos, principalmente quando relacionadas à saúde, como registrado pelo Monitor das Doações COVID-19, desenvolvido pela ABCR – Associação Brasileira de Captadores de Recursos –, que alcançou a marca de R$ 6,3 bilhões doados e mais de 500 mil doadores mobilizados.

Contudo, o diretor-executivo da ABCR, João Paulo Vergueiro, revela que as doações já estão diminuindo, mostrando que o maior desafio do setor será manter essa porta aberta.

“A pandemia é uma tragédia em grande escala. Um evento como esse tem doações fortes no começo, como em qualquer emergência. A queda era esperada, mas como o cenário de calamidade se estendeu demorou para ocorrer. As pessoas entenderam a importância da Sociedade Civil em um momento de crise desta magnitude”, defende.

Já Paula Fabiani pontuou que o cenário observado na pandemia para as doações é resultado do comportamento do brasileiro para com o setor. “O brasileiro doa mais movido pela emergência. A nossa cultura é do afeto e doamos no calor do momento. Ajudamos quem precisa no momento específico, mas não doamos de forma planejada e recorrente. Às vezes, a questão não é aumentar o número de doadores, mas formar doadores recorrentes”.

É nos momentos de emergência que se pode perceber a relação entre as doações e o Produto Interno Bruto (PIB) dos países.

“Quando você tem uma economia ruim, as pessoas doam menos, mas, durante uma emergência, como a pandemia, a solidariedade é mais importante do que a recessão econômica. Sem esse efeito emergencial, a recessão prevalece. Agora, é esperado que a crise econômica brasileira comece a impactar nas doações”, argumenta Fabiani.

No entanto, a diretora-executiva do IDIS reforça a importância de manter os incentivos para o setor. “É importante o posicionamento do governo em prol de políticas públicas que promovam as doações. É fundamental ter uma Sociedade Civil forte, robusta e com voz na sociedade”.

E agora, para onde vamos?
Vergueiro ressalta que o momento atual é de planejamento para o Terceiro Setor. “O momento mais difícil pode ter passado, mas os processos não serão os mesmos. Começar a planejar agora é fundamental para que as organizações continuem a captar recursos. Ainda temos um fôlego para entender como retornar nessa nova realidade, com mais restrições e menos contato”.

Construir um planejamento agora, apesar do cenário incerto, colabora para uma resposta às ameaças de queda na captação de recursos.

A pesquisa sobre as OSCs citada acima revela que 46% das organizações afirmaram ter caixa para operar por no máximo mais três meses e 69% afirmam que precisam de recursos para manter os custos operacionais.

Os dados exemplificam que enquanto algumas organizações conseguiram se adequar ao virtual e acelerar a adaptação tecnológica, outras viram seus processos paralisados.

Para Vergueiro, as organizações que dependiam mais do trabalho presencial, tanto para cumprir a missão como para engajar, foram as que mais encontraram dificuldades para conseguir responder à crise.

“Uma parte das organizações teve que se virar, enquanto outras estavam mais preparadas para lidar com os desafios da crise. A pandemia trouxe esse impacto: a necessidade de inovação”, aponta.

Transformações nesta linha já foram mapeadas pela pesquisa. No total, entre as 1.760 organizações que participaram, 53% mencionaram a aceleração do uso de ferramentas digitais para o trabalho como positiva, enquanto 40% sentiram mais engajamento e envolvimento da equipe.

Os saldos positivos

“Como o setor vai reagir ao que a pandemia vem impondo? Temos que manter essa caixa de ressonância ativa, esse contato com os doadores e os beneficiários, recalibrando a todo momento a atuação de todos de atores”, argumenta o gerente de programas do GIFE – Grupo de Institutos Fundações e Empresas –, Gustavo Bernardino, sobre os saldos positivos no setor nos últimos 6 meses.

Ele reforça que a presença da Sociedade Civil na mídia, ocupando espaço em jornais televisivos, colabora para que se construa uma imagem positiva do Terceiro Setor, até entre aqueles que duvidam e se opõem aos trabalhos realizados pelas OSCs.

“Nós não temos uma cultura da doação, as organizações da sociedade civil tão sedimentadas, mas a pandemia abriu a porta para isso. A cultura de doação vai se incutindo na população. As ações mais transparentes, expondo o que está sendo feito nos canais de comunicação também potencializam isso. A doação foi colocada como uma ferramenta palpável agora, e caminhamos para um setor filantrópico mais pulsante no país”, reforça Bernardino.

João Paulo Vergueiro reforça a necessidade de estabelecer um Terceiro Setor mais transparente. “A pandemia deu espaço para um Terceiro Setor mais aberto para a sociedade. Um setor que está prestando mais contas e trabalhando com mais canais de captação. Um Terceiro Setor mais transparente aumenta a confiança e mantém os níveis de doação”.

A hora de comunicar é agora
Inicialmente, as doações se concentraram na área da saúde, tanto que 18% das organizações afirmaram que a crise serviu para fortalecer muito ou parcialmente seus trabalhos, sendo a maioria deste setor.

Contudo, esse movimento abre margem para o efeito ‘Big is Beautiful’, em que o financiamento vai para organizações maiores e com mais capacidade institucional, o que leva a uma concentração dos recursos.

“Fortalecer os trabalhos realizados pelas organizações intermediárias, que ligam quem precisa aos doadores, e as organizações de ponta, que estão na comunidade, é fundamental para evitar esse efeito”, aponta Vergueiro.

O diretor-executivo da ABCR defende que as pessoas e empresas estão mais propensas a doar no momento.

“Agora é a oportunidade para as outras organizações de chamar atenção das comunidades, se mobilizarem para mostrar que as outras causas também precisam de recursos. O risco vai ser maior se elas não se mobilizarem para captar. As pessoas já doaram para saúde e vão estar mais dispostas a doar”.

Essa tendência, de acordo com Vergueiro, deverá ser observada em seu ápice no Dia de Doar 2020, que será realizado em 1º de dezembro.

“A expectativa é que seja maior. Houve um crescimento da mobilização em ondas de rede, com uma organização divulgando para outra e passando assim. As campanhas online cresceram e vão colaborar com esse cenário”.

Para Paula Fabiani, do IDIS, o esforço agora deve ser para manter as contribuições de empresas em prol das organizações, algo observado nas arrecadações dos fundos emergenciais.

“A gente viu um aumento da doação, principalmente por parte das empresas. A empresa não pode ter uma campanha e depois esquecer. Os funcionários vão cobrar por ações. Tem que fazer parte do DNA porque as empresas são feitas por pessoas. Não tem como o Itaú anunciar que está doando 1 bilhão e não dar continuidade às ações para a causa”, conclui.

Fonte: Observatório do Terceiro Setor
Por: Mariana Lima
Link da matéria: https://observatorio3setor.org.br/noticias/pos-pandemia-exigira-inovacao-e-planejamento-do-terceiro-setor/